Google
 

28.11.04

Fantasmas

Eles aparecem quando menos esperamos, quando não estamos prontos para lidar com sua presença.
Parada no jardim, não conseguia pensar em nada a não ser em como ele havia mudado. Não por seu rosto: o queixo saliente, o nariz bem formado e os olhos azuis continuavam como sempre. Sua feição é que estava diferente. Não sei se era a culpa que lançava uma sombra sobre ele ou se era apenas o tempo quem havia distorcido sua imagem dentro de minha memória.
Ele se agachou. Estendeu o pacote que trazia à minha filha.
- Feliz aniversário! Espero que você goste.
Estas foram as únicas palavras que ouvi de sua boca nos últimos 6 anos. Estas foram suas últimas palavras.
Assim que minha menina voltou, agora toda faceira com sua nova boneca, ele pôs-se novamente em pé, lançou-me um último olhar e, contorcendo seus lábios naquilo que me pareceu um tímido beijo lançado, virou-se e retomou a rua, indo se perder além do contorno da esquina.
Aquela era a segunda vez que ele nos deixava. Talvez para voltar dali a outros 6 anos. Provavelmente para nunca mais.
- Mamãe? - ela interrompeu minhas lamentações secretas. - Quem era aquele homem?
- Ele era um fantasma.
- Um fantasma? - percebi o temor em sua voz.
- Não querida... - retratei-me. - Fantasmas não existem. Não sei quem ele era. Não o conheço.
Foi difícil mentir para minha própria filha. Eu o conhecia muito bem. Mesmo com o passar dos anos, sabia quem ele era. Nunca poderia esquecer aquele por quem um dia fui perdidamente apaixonada. Mas como eu poderia dizer-lhe que aquele estranho era o mesmo homem que, há 6 anos, havia saído para trabalhar e nunca mais voltara? Como eu poderia jogar-lhe na cara que ele era o pai que a havia abandonado?
Eu não poderia.
Ainda não.
Talvez quando ela crescer eu lhe diga a verdade. Quem sabe eu lhe conte como tudo aconteceu.
Mas, até lá, prefiro continuar pensando nele como aquilo que ele se tornou: um fantasma.
Porque fantasmas, estes fantasmas, existem!
E aparecem quando menos esperamos.

22.11.04

Declaração para a Noite

Que direito tenho eu de te guardar
reclusa em meu bem-querer; de
desejar tua beleza só para mim?

Nossos olhos se cruzaram uma única
vez e eu – tão tolo quanto poderia ser! –
acreditei que fosses minha.

Agora tua falta me consome, tua
sombra enegrecida pela distância que o
tempo impõe dilacera meu coração.

Eu poderia declarar-te meu amor,
mas não o farei, porque tenho
medo desse sentimento piegas.
Da mesma forma, não te demonstrarei
meus carinhos: eles se perderiam sem
encontrar outros carinhos a lhes confortar.
E aí? Só dor restaria...

Se fosses minha, pegaria todas as
estrelas do céu e com elas – uma a uma –
ergueria um altar – um leito onde tua
beleza nua resplandeceria num
cândido repousar.
Nesse santuário, consagraria meu amor,
com meu corpo se unindo ao teu e nossos
corações batendo compassados numa melodia
pura como nada mais.

Mas eu não te possuo, da mesma forma que não
conheço coragem que me faça dizer-te estas palavras.
Com meus silêncios sei que jamais te tocarei.
As palavras que não digo nunca entrarão em
teu coração.

E nas sombras permanecerei, amando-te e sofrendo
em segredo, enquanto te vejo entregar-te a
outro caçador de estrelas, a alguém cujo desejo por ti
nem se compara ao meu;
mas que, ainda assim, tem no peito
muito mais coragem do que eu.

20.11.04

Por favor, parem as máquinas!

" Se eu tivesse autoridade, essa seria uma ordem. Como sou apenas eu, não passa de um pedido desesperado: por favor, PAREM AS MÁQUINAS!!!
Soltem lápis e canetas, desliguem os computadores, arranquem as folhas das máquinas de escrever, destruam os mimeógrafos, inutilizem as impressoras, queimem todo o papel do mundo, destruam os alfabetos, persigam as palavras, mandem todas as letras para o exílio! Para dizimar qualquer possibilidade de boicote a esse boicote, por favor, parem de pensar! Não filosofem mais! Deixem de criar histórias! Deixem de contá-las! Passem a ver a poesia como uma doença, e não como o remédio da alma! PAREM DE ESCREVER!!!
Isso não é insanidade da minha parte! É um caso de saúde pública: eu vou enlouquecer se as coisas continuarem desse jeito.
São tantos os livros que eu quero ler que toda uma vida parece ser tempo insuficiente. Precisaria de mais umas cinco ou seis existências para saciar minha vontade. Cinco ou seis só para citar aqueles que eu quero ler. Se somarmos aqueles que eu devo ler, bom, aí mais vale contar o tempo em zilhões de anos...
Quero deixar claro que não sou inimigo das palavras, nem vitupero a arte literária.
Neste momento, posto-me apenas como um provável doente mental na busca desesperada por um lenitivo que servirá de antídoto para sua futura maluquice... "

Manifesto de um leitor compulsivo.


18.11.04

Olhos Abertos

Olhares. Um leve aceno. Um sorriso. Correspondido. Aproximam-se. Sem palavras. Se conhecem? De vista. Um toque. Mão na mão. Ele aperta de leve. Ela sente o carinho. Colados. Corpos. Olhos fixos. Um no outro. O oceano azul brilha com a beleza do castanho. Não se separam. Outro sorriso. Rostos em movimento. Rostos próximos. Rostos de bocas desejosas. Lábios rosados. Entreabertos. Um toque. Explosão! Mundos que colidem. Universos que se unem. Um beijo... Longo. Tenro. Demorado. Que vale por si só. Que faz sumir a realidade. Olhos fechados. O oceano azul se entrega ao desbravador. Sente no peito um calor. Vê o coração acelerar. Pulsar. Pulsante! Forte! TUM TUM TUM TUM TUM! Correria. Suspiros intercalados. Entrecortados. Aspirados. Um beijo. Talvez eterno. Terreno. Profano. Celestial. Trombetas soam aos ouvidos. Clichê? Mas a pura verdade... Olhos que se abraçam. O oceano e o castanho. Um se entrega. Mas... O outro não. Por quê? Quem há de saber? Não há razão. Bocas se tocam. Línguas úmidas. Lépidas. Ávidas. Tudo como deveria ser. Exceto pelos olhos. Os azuis fechados. Entregues. Os castanhos abertos. Incrédulos. Não se fecham. Ficam presos à realidade. Não se rendem à sensação. Não se desprendem daquilo que vêem. E abertos permanecem. Até que as bocas se separam. E cessam os suspiros. Acaba o calor. Passa o desejo. E tudo volta ao quase normal de instantes atrás. Quando só o que tinham em comum era a vondade. Os olhares. E um par de olhos abertos.

"Outros degraus"

(a pedido)

A mágica natureza dos degraus - sejam os de Quintana, sejam outros quaisquer - reside em seu caráter metafórico, na totalidade quase absoluta do infinito de formas que podem abrigar.
Eles são, a bem da verdade, obstáculos a serem superados, desafios que quando vencidos nos fazem crescer, nos colocam num patamar mais elevado desse louco existir. Como pessimistas, diríamos que (e aqui recorro novamente a Quintana) atravancam nosso caminho. Se otimistas, veríamos em seus contornos retos uma porção de palavrinhas que nos apóiam, ajudam e dão suporte em situações complicadas. Por estar escondido, aquele degrau talvez seja uma simples representação daquilo que deveria - ou mereceria - ser esquecido: uma oportunidade perdida, uma situação dolorida, um amor que se apagou, um abraço não dado, um beijo negado, uma saudade impossível de curar, uma tela que perdeu no tempo a cor de seus contornos, um "não" que jamais devriam ter vindo, um "sim" que nunca ouviremos...
Por tudo isso, e por nada mais, é que aquele degrau escondido, apesar de suas tão próprias caracteristicas, se assemelha ao de Quintana: porque ele, mesmo sem querer, tem em si o poder de nos levar a algum lugar e a capacidade de nos derrubar, fazendo-nos cair em lugar nenhum.

17.11.04

Aos nossos chatos prediletos...

"Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos."
(Mário Quintana)



WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS
(the Beatles)

What would you do if I sang out of tune
Would you stand up and walk out on me
Lend me your ears and I'll sing you a song
and I'll try not to sing out of key

I get by with a little help from my friends
I get high with a little help from my friends
Gonna try with a little help from my friends

What do I do when my love is away
Does it worry you to be alone
How do I feel by the end of the day
Are you sad because you're on your own

(...)

Would you belive in a love at first sight
Yes, I´m certain that it happens all the time
What do you see when you turn out the light
I can´t tell you, but I know it's mine

I get by with a little help from my friends
I get high with a little help from my friends
Gonna try with a little help from my friends

Do you need anybody
I need somebody to love
Could it be anybody
I want somebody to love

Yes, I get by with a little help from my friends
With a little help from my friends

* * *

COM UMA PEQUENA AJUDA DE MEUS AMIGOS

O que você faria se eu cantasse fora de tom?
Você se levantaria e me deixaria?
Empreste-me seus ouvidos e lhe cantarei uma canção
E tentarei não desafinar

Eu consigo com uma pequena ajuda de meus amigos
Eu me animo com uma pequena ajuda de meus amigos
Vou tentar com uma pequena ajuda de meus amigos

O que eu faço quando meu amor está distante?
(Você se preocupa por estar sozinho?)
Como eu me sinto no final do dia?
(Você está triste porque está só?)

(...)


Você acredita em amor à primeira vista?
Sim, estou certo que acontece o tempo todo
O que você vê quando apaga as luzes?
Não consigo lhe dizer, mas sei que me pertence

Eu consigo com uma pequena ajuda de meus amigos
Eu me animo com uma pequena ajuda de meus amigos
Vou tentar com uma pequena ajuda de meus amigos


Você precisa de alguém?
Eu preciso de alguém para amar
Poderia ser qualquer um?
Eu quero algúém para amar

Sim, eu consigo com uma pequena ajuda de meus amigos
Com uma pequena ajuda de meus amigos



Sob lugares incomuns

O corpo é a embalagem que diz aos outros o que pensar de nós mesmos.
E o modo como o adornamos é o exemplo que traz à luz do conhecimento o estilo que rege nossa vida...

Aquele jovem também tinha seu estilo. Todo próprio esse estilo. Indefinível.
Podia perfeitamente misturar tênis com gravata borboleta que a combinação lhe cairia bem.
Talvez por isso, num desses dias em que nada de novo acontece, ele tenha decidido fazer uma tatuagem.
Precisou de menos tempo para escolher o desenho (uma forma abstrata sem sentido algum, mas na qual ele jurava ver as asas de um beija-flor sendo deglutidas pela ira de um dragão chinês) do que o lugar de seu corpo a ser habitado pela nova impressão.
Resolveu pesquisar.
Encontrou vários lugares comuns: braço (o seu era muito fino para abrigar a fome do dragão), antebraço (no seu, nem o beija-flor caberia), costas (muitas espinhas), panturrilha (pouco definida, impossível fazer desenho tão preciso ali), abdômen (seria mais fácil desenhar na panturrilha)...
Todos os locais lhe pareceram tão normais, tão sem propósito.
A intenção de fazer uma tatuagem perderia a razão de ser caso ele se submetesse a marcar seu corpo num desses espaços. A individualidade que lhe apetecia acabaria, então, por transformá-lo em apenas mais um sujeito tatuado.
Eis que, num ímpeto de genialidade, ele escolheu um local que representava toda sua ânsia de liberdade.
E duas semanas depois de decidir fazer uma tatuagem, ele já possuía um dragão chinês comendo as asas de um beija-flor... na sola de seu pé direito. Seu estilo estava, mais do que nunca, representado naquele embate cruel.
Ele sentiu-se orgulhoso por monstrar ao mundo seu tão único jeito de ser.
Mesmo que ninguém, além dele, jamais tenha sabido da existência daquela tatuagem.

13.11.04

Soneto do Doce Padecer

Se o sentimento que guardo no peito
para sempre no peito guardado ficar
juro que “sempre” será muito pouco
perto do tempo em que eu vou te amar

Por ti meu amor é no todo egoísta
meu querer, bem mais que um simples querer
meu coração da tua beleza é conquista
e longe de ti já não posso viver

Não tenho culpa se cultivo o desejo
de colher em teus lábios o sabor da paixão.
Mas se dentro da noite só o que vejo

são teus olhos amando outro olhar:
aí rasga meu peito uma tal aflição,
como se na vida me faltasse o ar...

10.11.04

Suspiros

Só queria te guardar no calor de meus abraços
para que quando alta a madrugada corresse
e a sede me fizesse levantar,
lá da cama tua voz me procurasse:
"Onde vais?".
E eu não te responderia com palavras.
Apenas voltaria para te fazer adormecer
sonhando na ternura de meus braços...

Para não falar do degrau escondido

Não quero falar de coisas banais como aquele degrau escondido. Mas a simples intenção de não mencioná-lo já me obriga a fazê-lo. Dizer que não quero falar daquele degrau é, já, falar do degrau em questão. Que fazer então? Calar também só adiantaria se fosse possível interferir (ou interromper) o fluxo do pensamento. A melhor alternativa é, portanto, não ser: não sendo, ou nada sendo, permito-me cessar o pensar, o que automaticamente seca as fontes de águas límpidas de onde brotam minhas palavras.
Só dessa forma consigo não falar daquele maldito degrau escondido.

O Burocrata

Ele dormia 8 horas por madrugada, das 22 às 6 da manhã.
E mais 4 horas por tarde, do meio-dia às 16.
No resto do tempo, carimbava papéis.
E assim passou sua vida: ele viveu feliz, mesmo sem conhecer o amor que seus anos agitados esconderam...

A Verdade por detrás do provérbio

O Seguro não morreu de velho.
Na verdade, nem morreu.
Foi se esconder numa ilha deserta.
Junto com Elvis e com Napoleão.

Tenho um caderninho

Tenho um caderninho onde escrevo tudo o que minha mente me pede pra dizer aos outros.
São aquelas coisas que, se eu dissesse, ninguém ouviria. São tantas coisas, tantos silêncios conssentidos que aos poucos vão enchendo as páginas do caderninho, até ele ficar gordo e estufado, como um balão que se enche com o vazio invisível do ar.
Aos poucos essas palavras não ditas se transformam em remorso.
E, antes que o remorso se transforme em rancor, eu queimo o caderninho. Materializo o que até então era só conjectura, transformo tudo em cinza - uma tonalidade que nem é nem deixa de ser: apenas se abstém.
Aí então saio para arranjar um outro caderninho, porque minha mente não me pára de ditar palavras que minha boca prefere não enunciar.
Palavras que eu guardo num caderninho...

8.11.04

Quintaneando

Poeminha do Contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

----------------------------------

Do Amoroso Esquecimento

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

----------------------------------

Bilhete

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

tem de ser bem devagarinho,
amada,

que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

--------------------------------

Os Degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

--------------------------------

Se as coisas são inatingíveis... ora,
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
a mágica presença das estrelas!


(Eis a beleza de Mário Quintana...)

Pensamento do Lado Negro da Força


"O Sol nasce para todos.
A Sombra, só para quem merece."

(Desconhecido)

3.11.04

Meu único super-herói

Nunca entendi seu comportamento. Andava de um lado para o outro, no meio da noite, como se fosse um espírito surgido das sombras e que para as sombras haveria de voltar assim que o dia clareasse. Eu podia ouvir seus passos arrastados no corredor, os chinelos sendo carregados de forma despretensiosa por pés que não faziam o menor esforço para não serem notados. Perdi a conta de quantas vezes, alta madrugada, abria uma frestinha na porta de meu quarto, espaço suficiente apenas para espremer seu dedo até o interruptor, e acendia a luz, apagando-a logo em seguida, depois de ver que, lá deitada, eu dormia em paz. Lembro-me de como eu fechava os olhos e assim ficava acordada, fingindo-me adormecida, enquanto, através das pálpebras cerradas, percebia a luz piscar e ouvia a porta se fechar, esmagando a frestinha pela qual ele espreitava.
Eu jamais entendi seu comportamento...
Até o dia em que ele, como sempre fazia, abriu a porta um tantinho suficiente só mesmo para esticar seu dedo e ascender a luz e, livrando-se da esperança que ainda vivia dentro dele, obrigou-se a acreditar que eu havia partido. Somente nesse momento compreendi a atitude daquele homem. Só quando vi, lá de cima, do lugar para onde eu tinha ido, que o rosto dele se contraiu num triste esforço para conter as lágrimas de saudade, é que pude entender suas razões. Aí, então, percebi que, apesar de eu não saber disso na época, tudo o que ele queria era ter a certeza de que sua princesinha estava sã e salva. E que, se dependesse da vontade dele, eu ficaria para sempre sob os cuidados de seu amor.
Porque ele era meu guardião e protetor.
Meu único super-herói.
Meu pai.
View Guestbook Sign Guestbook WWF-Brasil. Cuidando do ambiente onde o bicho vive. O bicho-homem.