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3.11.04

Meu único super-herói

Nunca entendi seu comportamento. Andava de um lado para o outro, no meio da noite, como se fosse um espírito surgido das sombras e que para as sombras haveria de voltar assim que o dia clareasse. Eu podia ouvir seus passos arrastados no corredor, os chinelos sendo carregados de forma despretensiosa por pés que não faziam o menor esforço para não serem notados. Perdi a conta de quantas vezes, alta madrugada, abria uma frestinha na porta de meu quarto, espaço suficiente apenas para espremer seu dedo até o interruptor, e acendia a luz, apagando-a logo em seguida, depois de ver que, lá deitada, eu dormia em paz. Lembro-me de como eu fechava os olhos e assim ficava acordada, fingindo-me adormecida, enquanto, através das pálpebras cerradas, percebia a luz piscar e ouvia a porta se fechar, esmagando a frestinha pela qual ele espreitava.
Eu jamais entendi seu comportamento...
Até o dia em que ele, como sempre fazia, abriu a porta um tantinho suficiente só mesmo para esticar seu dedo e ascender a luz e, livrando-se da esperança que ainda vivia dentro dele, obrigou-se a acreditar que eu havia partido. Somente nesse momento compreendi a atitude daquele homem. Só quando vi, lá de cima, do lugar para onde eu tinha ido, que o rosto dele se contraiu num triste esforço para conter as lágrimas de saudade, é que pude entender suas razões. Aí, então, percebi que, apesar de eu não saber disso na época, tudo o que ele queria era ter a certeza de que sua princesinha estava sã e salva. E que, se dependesse da vontade dele, eu ficaria para sempre sob os cuidados de seu amor.
Porque ele era meu guardião e protetor.
Meu único super-herói.
Meu pai.
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