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29.9.09

Como nossos pais

Na década de 70, quando a pimentinha Elis cantava versos melosos, evidenciando com seu timbre forte as belezas de um futuro cheio de novidades, havia um clima estranho no ar. Guardada a licença poética do compositor, o passado, àquela época, era uma velha roupa colorida, tal qual uma imagem de contornos perdidos e que já não servia mais à juventude. A revolta e a subversão eram facilmente percebidas nos anseios de uma geração que buscava, a todo custo, a tal “modernidade”, cuja representação máxima se encontrava não no enobrecimento pessoal e coletivo, mas na oposição aos valores e costumes que lhes haviam sido transmitidos.

Esse choque de gerações é uma característica comum aos entremeios das relações humanas desde que o homem se conhece por tal. E é provável que assim continue por muito tempo mais. Mas o que aconteceria se das vozes desses jovens de outrora retirássemos o tino libertário, se puséssemos para escanteio o furor revolucionário e se fugíssemos da nuvem de aspirações políticas que envolviam a sociedade daquela época, em específico?

Se a complexa teia de relacionamentos pudesse ser posta à parte de todos os fatores sociais externos que a envolvem, cairíamos numa realidade em que pais e filhos continuam com suas adversidades, seguem com suas picuinhas e ainda têm seus pontos de vista opostos. Neste novo cenário, pais continuam sendo pais (tão somente porque um dia filhos já foram) e filhos dessa forma seguem (até o momento em que os seus próprios descendentes vêm ao mundo), simplesmente porque, em essência, ambos têm muito mais em comum do que poderiam imaginar os primeiros e do que gostariam os segundos.

Seja no retrato revolucionário da juventude dos anos 70, através do olhar incompreendido da Geração cantada por Renato Russo (“você diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais”) ou nas palavras de real cumplicidade nascidas do dueto entre um Marcelo D2 reformado e seu filho (“eu me desenvolvo e evoluo com meu filho, eu me desenvolvo e evoluo com meu pai”); a verdade escancarada é uma só: no fundo, no fundo, pais e filhos são sempre iguais. Ainda que fatores sociais e culturais interfiram nesse relacionamento, a condição de igualdade entre pais e filhos se faz (e continuará por muito tempo) presente.

Diante disso, só nos resta a certeza de que, mesmo frente às peculiaridades inerentes à contemporaneidade de todas as épocas, se a canção citada lá no começo desse artigo fosse feita nos dias de hoje, talvez Elis e toda uma geração de “novos filhos” (todos nós) cantássemos os conhecidos versos de um modo diferente. Orgulhosos, então, evidenciaríamos que “perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais” é, não uma dor, mas nosso maior prazer.

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