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10.12.04

Noites sem Palavras (2003)

São noites quietas,
Noites frias de sentimentos
que nas paredes ressoam a tristeza
de um olhar que se perde no escuro.

São noites paradas,
Noites cruéis de vis tormentos;
Anseios que enchem a alma com a mais
límpida e doída face da solidão;
Sonhos belos que nascem e partem,
sempre tão distantes;
Disparates intocáveis e serenos,
sem maldade, repletos de pesar...

Mas não importa.
Na verdade, tudo já deixou de importar.
No momento em que daquela pessoa
tudo se espera e nada se tem, bem...
A partir daí só restam essas
noites sem palavras...

Mesmo que nos colóquios de um amigo
procuremos relento,
augúrio algum nos trará de
encontro plácida bonança...
Ainda que sobre tormentas tentemos
erguer nossa fortaleza,
uma onda de fraqueza nos assola
e faz ruir a saída...

Rendidos, caímos
prostrados diante do infortúnio...
– triste futuro aquele que surge diante
de nossos olhos cansados –
Acabamos afogados num poço de lamúrias,
maldizendo a felicidade alheia...
Quem há de nos culpar?
Quem abrigaria tamanha vicissitude?
Pois só queríamos que a felicidade
também fosse nossa...

Estamos certos de que isso
jamais poderá acontecer!
Nos amparamos na cor opaca das
luzes sem brilho que não
iluminam os passos silenciosos...
Nos abrigamos num tugúrio
de paredes trêmulas...
Nos perdemos em confusão...
Enquanto do lado de fora,
lá entre belos e belas,
a dor lancinante não se esvai...

E o silêncio continua retumbando,
sofrido por entre os lábios da solitude
Porque tudo que se desejava
era ouvir certas palavras,
poder aspirar o perfume
embriagante de sua atenção.

Aquela voz, porém, se cala...
Alguém a cala...
Por isso não a ouvimos,
E procuramos alento nos ombros
de um amigo que de nada sabe
E tentamos esquecer
E afogamos a esperança
– Maldita que não morre!–...
Até que, por fim, reconhecemos
o que nos há de sobrar:
o triste ecoar do
silêncio de uma
noite quieta e fria.

Adequando-nos à realidade,
engolimos certezas forçadas
em troca de ilusões aspiradas
Afogamos desejos
e contemos um sentimento fujão
que corre pelo rosto.

Assim, no silêncio da noite,
Nos entregamos aos ásperos
braços da solidão
– enquanto o pensamento voa de encontro
ao acalento do abraço
de nossa última esperança –
e fechamos os olhos,
torcendo para que o dia chegue radiante,
levando de uma vez por todas
o silêncio dessas
noites sem palavras.

5.12.04

A última página

Escreveu em seu diário, no dia 12 de julho:
"Vou falar sobre o meu 1º amor: Hoje ele morreu! Sem nunca saber que eu o amava."
Todas as páginas depois daquele dia ficaram em branco.

Sobre nomes e títulos

Como escritor de carreira, dedicava-se à escrita de seus livros como se eles fossem os próprios filhos personificados que estavam por nascer.
Quando trabalhava na idéia de seu próximo livro, sua mulher veio lhe dizer que estava esperando uma criança. 4 meses depois, descobriram que era uma menina.
Ficou feliz, claro!, como todo pai ficaria. Mesmo com a preocupação de encontrar um título para a filha, saboreava cada novo centímetro na barriga da esposa, cada quilo a mais na balança.
Numa sexta-feira 12, "A Semente de Meu Sangue" nasceu.
E, 4 dias depois, "Daiana" foi publicada.

4.12.04

Poeticismo

Dispo-me dos trejeitos
Que recobrem meu rosto
Das formas que contornam
Meus atos e das mortalhas
Que tolhem a límpida liberdade
De meu pensamento.

Perdido na noite
Junto a tudo aquilo que
Pertence às sombras
Me recolho no abrigo oculto
Observando, analisando, vivendo
Entregando-me a uma sensação
A que os poetas poderiam
Tão bem conhecer.

Poderia ser à noite
Ou talvez no mágico instante
De indecisão que antecede um beijo
Poderia nunca ser
Deixando o gosto de uma
Realização perdida nas asas
Do esquecimento
Poderiam ser tudo isso
E até um pouco mais

Em minha boca fica o gosto
Apagado daquele beijo
Que a noite envelheceu nos lábios
De um amor jamais encontrado.

Sinto o peso dessas palavras
Que se somam aos montes,
Indo de cá pra lá e de lá pra cá,
Nessa dança sem sentido,
Sintomática e extensa.

O que sou, afinal?
Com certeza uma nada.
Mas um nada apaixonado,
Que ama, acima de tudo!

Veio e foi

Conheci um homem que passou pelo mundo sem ser notado.
Nasceu bem, de família abastada. Muito amado, quando bebê.
Virou criança. Brincava com todas as outras. Ganhava presente no aniversário e no Natal. Tinha uma tia chata do interior que, vias de regra, sempre que o via – uma vez por ano, a cada aniversário – vinha lhe apertando as bochechas e logo dizia coisas do tipo “Que bonitinho. Como você cresceu. Está grande!” porque achava que isso era elogio.
Passou pela fase da adolescência sem deixar grandes sinais de sua presença. Foi vítima de todo tipo de depressão juvenil já catalogada no manual dos psicoterapeutas sociais (eles têm um manual, não?).
Num dia ele se resignou contra tudo.
Seria muito pedir um pouco de amor a alguém?
Ele desistiu de fingir ser alguém que não era.
Passou a ser também para os outros aquilo que era para si mesmo.
E seu rosto foi aos poucos se contorcendo num grito horrível.
Até que ele virou um raio de luz.

3.12.04

Reclama, Velha Senhora!

Reclama! Reclama!
minha Velha Senhora,
que do alto de tua existência
teu nome é sofrimento
e tua voz se queixa

À bengala, tua única confidente,
onde tuas costas arcadas
assentam o peso do tempo,
enquanto em amargura teu sentimento

Reclama! Reclama!
Do joelho com a rótula partida,
do espaço ao qual não pertences,
de todos que não são como tu

E por isso não vêem que tens razão:
pois tuas noites não são de sono,
porque teus dias se arrastam atrozes
e as tardes são todas iguais.

Quando, porém, conheceres o fim,
minha Velha Senhora,
lembra-te deste conselho:

Reclama! Reclama!
com todas tuas forças,
Com toda vontade

Reclama! Reclama!
de tudo, de todos,
de cada dia que vives,
de mais um minuto em que
ainda não morres.

Mas nesse fim,
minha Velha Senhora,
não busca consolo
na dor que te definha o corpo
e arrebata o coração

Porque, de tão bem que a conheces,
a chamas pelo nome
e ela responde solícita:
"Olá! Meu nome é Solidão!"
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