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5.6.06

O Muro

Sentavam no muro de uma antiga fábrica. Era um dia qualquer, de muito sol. A conversa fluía normal, num ritmo cadenciado. Eram amigos. Todos. Sentiam-se confortáveis uns cons os outros. Ainda assim, não puderam evitar aquela sensação de esgotamento, seguida por um medo incontrolável. De uma hora para outra, talvez no intervalo entre duas frases distintas, o céu se fechou. As nuvens até então sumidas fizeram-se presentes. Olharam para o céu. Com este simples ato mecânico, permitiram que suas bocas quedassem abertas.

Muito mais atenção teriam voltado às nuvens caso não tivessem sido despertados por aquele som de passos marchados que, segundo após outro, tornava-se mais forte. Baixaram o rosto. O que viram deixou-os assustados. Ao seu lado direito, perfilados, um grupo de 15 homens, todos trajados de preto, cabelos raspados, ostentava suas armas de metal, fitando com ódio um grupo rival - provavelmente outra facção - disposto na mesma formação de guerrilha. O cenário era assustador. Por detrás de cada uma dessas formações, elevava-se uma coluna de policiais, fardados, fortemente armados, embuídos do nobre dever de servir e proteger. Infelizmente, naquela situação, difícil seria saber se mais valeria proteger aos outros ou a si mesmo.

Dali de cima do muro, viram tudo acontecer. Ao grito daquele que parecia ser o líder, as duas facções foram ao encontro uma da outra, o espetáculo de horror teve início. Os homens tornaram-se feras. O ódio tornou-se palavra-chave. O ar ficou carregado pela mistura pesada de sangue e dor. Gritos, socos, chutes, corpos caindo, últimos suspiros, expiações... De tão intenso, tudo foi muito rápido. Por fim, só o que restou foi o mar de sangue cobrindo o precário calçamento daquela tarde comum... E os corpos, misturados à terra, que já não mais traziam o ódio no coração, não pelo fato desse sentimento ter se transformado em algo melhor, mais bonito; mas simplesmente pelo fato de já não haver mais um coração pulsando em seu peito.

E os jovens, sentados no muro, já não tinham mais o que conversar. Dois, os que não conseguiram correr a tempo, haviam sido pegos pela guerra ensandecida. Outros dois, confundidos pela polícia com integrantes das facções, estavam sendo encaminhados para a DP, de algema nos punhos, com o peso de uma vergonha alheia pousada sobre seus ombros.

O único que sobrou, nesse momento, fitava o céu. Não havia nada mais a ser feito. Tudo o que lhe restou foi a chance de olhar o céu uma vez mais antes de adormecer, procurando entender, tentando conter as lágrimas que a todo custo tentavam florescer por seus olhos para misturar-se ao sangue derramado de seus amigos. Quando acordasse, talvez tudo seria diferente...

Aquele fora apenas um sonho. Mas, de alguma forma indescritível, o sonho ruim lhe pareceu muito mais palpável do que a própria realidade.

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