Fantasmas
Parada no jardim, não conseguia pensar em nada a não ser em como ele havia mudado. Não por seu rosto: o queixo saliente, o nariz bem formado e os olhos azuis continuavam como sempre. Sua feição é que estava diferente. Não sei se era a culpa que lançava uma sombra sobre ele ou se era apenas o tempo quem havia distorcido sua imagem dentro de minha memória.
Ele se agachou. Estendeu o pacote que trazia à minha filha.
- Feliz aniversário! Espero que você goste.
Estas foram as únicas palavras que ouvi de sua boca nos últimos 6 anos. Estas foram suas últimas palavras.
Assim que minha menina voltou, agora toda faceira com sua nova boneca, ele pôs-se novamente em pé, lançou-me um último olhar e, contorcendo seus lábios naquilo que me pareceu um tímido beijo lançado, virou-se e retomou a rua, indo se perder além do contorno da esquina.
Aquela era a segunda vez que ele nos deixava. Talvez para voltar dali a outros 6 anos. Provavelmente para nunca mais.
- Mamãe? - ela interrompeu minhas lamentações secretas. - Quem era aquele homem?
- Ele era um fantasma.
- Um fantasma? - percebi o temor em sua voz.
- Não querida... - retratei-me. - Fantasmas não existem. Não sei quem ele era. Não o conheço.
Foi difícil mentir para minha própria filha. Eu o conhecia muito bem. Mesmo com o passar dos anos, sabia quem ele era. Nunca poderia esquecer aquele por quem um dia fui perdidamente apaixonada. Mas como eu poderia dizer-lhe que aquele estranho era o mesmo homem que, há 6 anos, havia saído para trabalhar e nunca mais voltara? Como eu poderia jogar-lhe na cara que ele era o pai que a havia abandonado?
Eu não poderia.
Ainda não.
Talvez quando ela crescer eu lhe diga a verdade. Quem sabe eu lhe conte como tudo aconteceu.
Mas, até lá, prefiro continuar pensando nele como aquilo que ele se tornou: um fantasma.
Porque fantasmas, estes fantasmas, existem!
E aparecem quando menos esperamos.